segunda-feira, 5 de maio de 2008

Além do Ponto de Vista

Era para ser uma conferência histórica sobre a guerra mundial contra o terror, mas acabou em tragédia: o presidente dos EUA, ao iniciar seu discurso, é baleado. O alvoroço toma conta do lugar. Enquanto isso oito personagens vêem a questão sob pontos de vista diferentes.

A cena acima é o cenário onde se desenvolve o recém-lançado “Ponto de Vista”. Ercarnando a discussão sobre o que é verdade, o filme

Em Ponto de Vista da Columbia Pictures, Thomas Barnes (Dennis Quaid) e KentTaylor (Matthew Fox), são dois agentes do Serviço Secreto designados para proteger o Presidente Ashton (William Hurt) em uma conferência primordial sobre a guerra mundial contra o terror. Quando o Presidente Ashton é baleado logo após sua chegada, o caos se instala e vidas completamente diferentes colidem. Na multidão está Howard Lewis (Forest Whitaker) um turista americano que está filmando o evento para mostrar para seus filhos quando voltar para casa. Lá também está Rex (Sigourney Weaver) uma produtora de notícias da TV americana que está transmitindo a conferência. É somente quando começamos ver a perspectiva de cada pessoa sobre os mesmos 15 minutos antes e imediatamente depois do tiro que a verdade aterrorizante por trás dessa tentativa de assassinato é revelada.

O expectador é levado, então, a examinar o atentado sob cinco pontos de vista diferentes que desnudam gradualmente a trama. Depois de cada segmento, volta-se ao começo para apresentar uma nova visão. Esse é o enredo do recém-lançado “Ponto de Vista”. O filme nos leva a pensar no conceito de verdade, o que ela é para nós e se existe uma única verdade.

Se formos analisar esse conceito sob o ponto de vista do filme, sim; existe uma verdade única. Porém, ela é vista sob diversas perspectivas de acordo com a posição que a pessoa ocupa no cenário, suas experiências de vida, seus conhecimentos, suas idéias etc.

Por exemplo, sem saber que está diante do sósia do presidente, o guarda-costas fiel Thomas Barnes (Dennis Quaid) usa de técnicas profissionais para achar o assassino. Ele consegue captar a movimentação na janela e as atitudes estranhas de seu parceiro Kent Taylor (Matthew Fox), que o faz correr atrás da verdade. Mas, a verdade plena, absoluta, nenhum dos personagens é capaz de alcançar porque eles não possuem a experiência e o ponto de vista dos outros. Eles tem uma falsa verdade, chamado por Platão de doxa. Ou seja, todos têm a crença que conhecem o que está acontecendo, mas nenhum tem o conhecimento verdadeiro, a episteme. Ele opõe a crença ou opinião ("doxa", em grego) ao conhecimento. A crença é um determinado ponto de vista subjetivo.

No filme, o conhecedor dessa verdade é o expectador. Na filosofia de Platão, só quem pode atingir o conhecimento verdadeiro é o filósofo. Para ele, a existência de uma verdade é baseada na essência das coisas, no que está por trás de tudo, o princípio primeiro – a Arqué.

A doxa está exposta na famosa caverna de Platão. Imagine um grupo de pessoas que habita o interior de uma caverna subterrânea, estando todas de costas para a entrada da caverna e acorrentadas pelo pescoço e pés, de sorte que tudo o que vêem é a parede da caverna. Atrás delas ergue-se um muro alto e por trás desse muro passam figuras de formas humanas sustentando outras figuras que se elevam para além da borda do muro. Como há uma fogueira queimando atrás dessas figuras, elas projetam sombras na parede da caverna. Assim, a única coisa que as pessoas da caverna podem ver é este “teatro de sombras”. E como essas pessoas estão ali desde que nasceram, elas acham que as sombras que vêem são a única coisa que existe. Imagine agora que um desses habitantes da caverna consiga se libertar daquela prisão. Primeiramente ele se pergunta de onde vêm aquelas sombras projetadas na parede da caverna. Depois consegue se libertar dos grilhões que o prendem. E o que acontece quando ele se vira para as figuras que se elevam para além da borda do muro? Primeiro, a luz é tão intensa que ele não consegue enxergar nada. Depois, a precisão dos contornos das figuras, de que ele até então só vira as sombras, ofusca a sua visão. Se ele conseguir escalar o muro e passar pelo fogo para poder sair da caverna, terá mais dificuldade ainda para enxergar devido à abundância de luz. Mas depois de esfregar os olhos, ele verá como tudo é bonito. Pela primeira vez verá cores e contornos precisos; verá animais e flores de verdade, de que as figuras na parede da caverna não passam de imitações baratas. Suponhamos, então, que ele comece a se perguntar de onde vêm os animais e as flores. Ele vê o Sol brilhando no céu e entende que o Sol dá vida às flores e aos animais da natureza, assim como também era graças ao fogo da caverna que ele podia ver as sombras refletidas na parede. Agora, o feliz habitante das cavernas pode andar livremente pela natureza, desfrutando da liberdade que acabara de conquistar. Mas as outras pessoas que ainda continuam lá dentro da caverna não lhe saem da cabeça. E por isso ele decide voltar. Assim que chega lá, ele tenta explicar aos outros que as sombras na parede não passam de trêmulas imitações da realidade. Mas ninguém acredita nele. As pessoas apontam para a parede da caverna e dizem que aquilo que vêem é tudo o que existe; é a única verdade que existe; é a realidade. Por fim, acabam matando aquele que retornou para dizer-lhes um monte de "mentiras".

Na concepção platônica, a alma se assemelha ao divino, ao supra-sensível e indissolúvel; o corpo, ao sensível e àquilo que se dissolve, logo, ao que jamais pode permanecer idêntico a si próprio. A doxa reside no corpo. A episteme, na alma. O libertar-se das correntes representa libertar-se da percepção das coisas pelos sentidos — e virar a cabeça para ver o real, e não a sombra do real. É a guinada da percepção sensível rumo ao pensamento puro, à visão das idéias em si. A episteme (que significa “ciência”, “conhecimento”, de onde deriva “epistemologia”) é o lugar do genuíno conhecimento racional, do pensamento puro e do verdadeiro saber, uma vez que, fora daquela caverna de sombras, pode-se ver o reino transcendente da idéia, desprovido de tempo e de espaço, onde nada muda porque tudo sempre foi o que é, assim como sempre será. A doxa, por sua vez, é o lugar do sensível, do engano e do engodo, da mera opinião, uma vez que, preso dentro da caverna e das sombras, só se podem ver as coisas não como elas verdadeiramente seriam, mas somente como elas se apresentam aos nossos sentidos de per si limitados e, como se não bastasse, submetidos, em segunda instância, ao jugo do tempo e do espaço.


Naiara Thaísa Infante Bertão

Um comentário:

Anônimo disse...

Legal os hiperlinks...